O mercado de charcutaria artesanal no Brasil e as oportunidades no exterior: um chamado para pequenos produtores

carnes curadas salame bacon copa

Núcleo PEIEX Campinas – Francisco Falsetti Xavier

O crescimento de produtos e produtores artesanais dos mais diversos tipos é evidente para qualquer observador atento. Através de extensa revisão bibliográfica, Oliveira (2019) mostra que ao longo do tempo os consumidores têm apresentado mudanças de comportamento na sua relação com os alimentos, e o aumento pela busca por produtos artesanais nos últimos anos é resultado de uma dessas mudanças. O interesse por mercadorias caseiras virou uma tendência por diversos motivos que vão desde o anseio por produtos mais saudáveis até a atração por algo resgatado do passado; uma forma tradicional de produção.

A partir da experiência do atendimento PEIEX à Defumatta Charcutaria Artesanal, uma microempresa familiar sediada na cidade de Indaiatuba (SP), foi possível obter algumas informações de extrema relevância para os produtores do ramo que desejam se aventurar no mercado externo. Entretanto, o uso de produtos de charcutaria serve apenas como exemplo; o estudo visa em última instância incentivar produtores artesanais dos mais diversos ramos e mostrar-lhes como o mercado externo pode torná-los atores estratégicos para o fomento de suas respectivas regiões.

Um dos produtos analisados junto à empresa, e que será usado como referencial para este estudo, foi a Coppa: embutido de carne suína de origem italiana (Capocollo), que é comumente conhecido e consumido no Brasil e no mundo. O produto é representado pela NCM/SH 0210.19.00, a qual abrange carnes suínas curadas.

Com o intuito de entender o mercado já existente, foram levantados alguns dados quantitativos sobre as exportações brasileiras dessas mercadorias pela plataforma Comex Stat: até 2018 apenas os três Estados da macrorregião Sul do Brasil se apresentavam como exportadores desse tipo de produto. O ano de 2018 marca um ponto de inflexão nesse mercado, uma vez que outros Estados do país também passam a exportar bens inseridos na classificação fiscal de 0210.19.00. Esse ano marca não apenas a diversificação da origem dos produtos como também do destino dessas exportações.

Atualmente, ao menos 18 Estados da federação exportam Carnes Suínas Curadas, tendo o Uruguai como maior receptor. Mesmo após a diversificação de mercados e produtores, o país continuou comprando em média 27% de toda a exportação brasileira dos bens desse setor. Como contraponto, vale comentar que, ao buscar apurar a participação dos Estados nas vendas de tais produtos ao exterior, foi encontrado que o Uruguai nunca se consolidou como um mercado para os charcuteiros paulistas. Nos últimos dez anos, praticamente o único Estado fornecedor de tais produtos ao país vizinho foi Santa Catarina —com exceção ao ano de 2013,que contabilizou também uma exportação do Paraná (COMEX STAT,2022).

De todo modo, segundo todo o conjunto de dados analisados, faz sentido considerar o Uruguai como um potencial mercado para produtos de charcutaria artesanal do Brasil. A ferramenta Mapa de Oportunidades da ApexBrasil5(2019), que aponta potenciais mercados de exportação por produto, também destacou o Uruguai quando da busca de potenciais mercados de exportação de tais produtos de origem brasileira.

Tomando o país sul-americano como mercado de análise, o próximo passo foi entender a concorrência existente no mesmo: em números de 2020, as importações uruguaias dos produtos abarcados pela SH 0210196advieram de três países: Espanha (59%), Itália (29%) e Brasil (12%) (TRADE MAP, 2020). A origem da maioria dos produtos, juntamente com o alto preço médio dos mesmos7, indica que a classificação fiscal utilizada representa bem os produtos desejados para o estudo.

O fato de existir um mercado consumidor para esses produtos já abre uma possibilidade ao produtor brasileiro. Além do mais, existem outros quatro fatores que também geram vantagens para o lado da oferta. Primeiramente, o Acordo de Complementação Econômica 18 (ACE 18) do Mercosul dá a possibilidade para que o importador pague uma alíquota de 0% de imposto na importação. Deve-se ter em conta que, para todo produto que ou não tenha origem em nenhum dos quatro países do bloco ou não possua acordo com o Mercosul, esse imposto seria de uma alíquota ad-valorem de 10% (MERCOSUR, 2022). Nesse sentido, os importadores das mercadorias de origem europeia pagam a alíquota integral do imposto. Um segundo fator a ser considerado seria o custo logístico, que é reduzido devido à proximidade geográfica e a disponibilidade de serviços.

Em terceiro lugar, é uma realidade que o preço médio de um produto artesanal brasileiro será relativamente menor do que os seus congêneres europeus. Produtos de charcutaria artesanal de países como Espanha e Itália chegam a possuir um alto valor agregado não apenas pela qualidade, mas também por um aspecto psicológico que tem a ver com sua representação como um produto tradicional desses mercados. Produtores brasileiros podem fabricar bens artesanais alternativos de excelente qualidade e menor preço. É importante comentar que estes não necessariamente irão competir com os produtos europeus: eles podem atingir um segmento de mercado que também tem anseio pelo consumo de produtos artesanais, mas que não conseguem comprá-los de regiões tradicionais devido ao seu alto custo. Por fim, a similaridade cultural entre ambos os países pode ser um fator importante que facilita a negociação e inserção de pequenos produtores iniciantes no mercado externo.

Em conversa recente com a Defumatta sobre como a exportação se encaixa no seu planejamento estratégico após o PEIEX e qual o seu possível impacto para a região, os empresários comentaram que, em geral, os retornos são previstos através de diferentes formas: no curto prazo, a empresa contribuirá com uma maior geração de empregos devido à necessidade de aumento de produtividade; já no longo prazo, foi explicado que a constante busca por qualidade faz com que cada vez mais todos os elos da cadeia produtiva se adequem às rigorosas exigências desse mercado. Esse processo pode ser custoso em um primeiro momento, mas eventualmente faz com que a qualidade de toda a cadeia melhore.

Por fim, os ganhos intangíveis também movimentarão novas atividades: a credibilidade que a empresa ganhará com sua inserção no exterior refletirá numa maior atratividade de seus produtos e serviços —tal como seu projeto de escola de charcutaria, o qual demandará a formação de um corpo de apoio que poderá ser contratado localmente. Os ganhos de imagem e a visibilidade da empresa serão refletidos na cidade como um todo.

Originalmente publicado em: https://portal.apexbrasil.com.br/transparencia/ -> Publicações -> E-Books -> Ensaios 2022

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Referências:

COMEX STAT. MDIC. 2022. Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Acesso em: 17 fev. 2022.

CONSUMIDOR QUE ALIMENTOS NATURAIS. Charcutaria.org. 2022. Disponível em: https://charcutaria.org/carnes/consumidor-quer-alimentos-mais-naturais/. Acesso em: 18 fev. 2022.

JACOBINA. R. Charcutaria artesanal está cada vez mais valorizada.Jornal 24 horas, Salvador, 08 nov. 2020. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/charcutariahttps://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/charcutaria-artesanal-esta-cada-vez-mais-valorizada/artesanal-esta-cada-vez-mais-valorizada/. Acesso em: 18 fev. 2022.

MAPA ESTRATÉGICO DE MERCADOS E OPORTUNIDADES COMERCIAIS PARA EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS. ApexBrasil.2019. Disponívelem: https://paineisdeinteligencia.apexbrasil.com.br/mapa-de-oportunidades.html. Acesso em: 16 fev. 2022.

MERCOSUL (ACE 18). Siscomex. 2022. Disponível em: http://siscomex.gov.br/acordoshttp://siscomex.gov.br/acordos-comerciais/mercosul/mercosul-ace-18/comerciais/mercosul/mercosul-ace-18/.Acesso em: 17 fev. 2022.

NCM EM VIGOR. Mercosur. 2022. Disponível em: https://www.mercosur.int/politicahttps://www.mercosur.int/politica-comercial/ncm/comercial/ncm/.Acesso em: 17 fev. 2022.

OLIVEIRA, Janile Soares de. O Mercado de Produtos Fermentados Artesanais: Estudo de Caso de uma Cervejaria e uma Charcutaria Pioneiras em Florianópolis. 2019. Monografia – Curso de Tecnologia em Gastronomia, Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.

TRADE MAP. ITC. 2022. Disponível em: https://www.trademap.org/Index.aspx. Acesso em: 17 fev. 2022.

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Muito obrigado por republicarem! Sigo com muito afinco o trabalho seus a tempos e fiquei realmente lisonjeado com a oportunidade de estar aqui. Grande abraço ao Eduardo e a todos da equipe!